Futebol com impacto socioambiental
Eu escrevo hoje para apresentar o Clube Laguna, o time de futebol que eu fundei com meus dois sócios alguns meses atrás.
Recém nascido em Pipa – RN, ‘filho da pandemia’, o Clube Laguna veio ao mundo depois de mais de um ano de gestação. Mas a semente foi plantada muitos anos antes, então vamos do começo.
Meu irmão e sócio, Gustavo, nasceu praticamente dentro do campo com uma bola no pé. Futebol foi tão presente na vida dele, que é difícil desconectar um do outro. Era futebol de botão, pelada com os amigos, futebol no intervalo da escola e depois da aula, Football Manager no computador, videogame, bola de meia no corredor do apartamento, o hall de entrada fazendo de trave, e por aí vai… e não para.
Ele criava times no papel também, inventava toda a escalação da equipe, desenhava o uniforme, criava o brasão. Era, e é, paixão verdadeira. E nos primórdios dos seus 20 anos, quando trancou a faculdade de Marketing pra jogar profissionalmente e descobriu que dali não sairia jogo, não desistiu do esporte – terminou a faculdade e virou treinador. Nos últimos doze anos ele treinou as categorias de base de diversos clubes tradicionais do Brasil (Guarani, Ponte Preta, Figueirense, Grêmio Novorizontino, Vila Nova), descobriu e treinou alguns grandes talentos (Gabriel Menino, Leo Simoni, Vini Zanocelo, entre outros), encarou mais uma faculdade (Educação Física), se certificou como treinador profissional pela CBF, estudou muito, aprendeu mais ainda, consolidou uma carreira. Mas o que realmente impactou o Gustavo foi um projeto que ele teve no começo dessa trajetória de treinador, na cidade de Paulínia. Foi naquela época que nosso outro sócio, o Rafael, entrou na história. Os dois montaram um projeto de futebol para jovens da periferia, muitos com uma situação de vida extremamente desestruturada, cercados por violência e crime. Durante a duração do projeto, cerca de 150 adolescentes passaram por lá, e não só a maioria teve uma expressiva ascensão social, cursou ensino superior, e alguns até seguiram na carreira profissional de jogador, mas absolutamente nenhum se desviou pro caminho fora da lei. O nome do projeto: Laguna. O que aconteceu em 2020 todo mundo sabe, ficamos em casa. E em casa, o Gustavo dispensado do Vila Nova, eu de volta de uma temporada nos Estados Unidos estudando sustentabilidade, tivemos tempo. A falta dele muitas vezes nos faz empurrar os sonhos para o futuro. Mas enquanto uma pandemia tirou quase tudo de todos nós, tempo foi o que tivemos de sobra pra resgatar do Laguna um pouco mais do que o nome. Foi aí que eu também entrei na história. Eu sou a Deia, entusiasta de quase todo e qualquer esporte, pesquisadora amadora de assuntos socioambientais, e com experiência suficiente em marketing e novos projetos pra ajudar os meus sócios a fazerem o Laguna acontecer. O futebol brasileiro hoje nos traz nostalgia. Sentimos falta daquele futebol de vanguarda, bonito de ver, cheio de dribles, que enche o estádio, que encanta a torcida. Futebol como entretenimento. Nasceu nosso slogan, “Clube Laguna, alegria de jogar futebol”.
Assim nasceu um sonho
Quando começamos a pensar no Clube Laguna, o intuito era criar um clube de futebol profissional que resolvesse as dores que identificamos no futebol brasileiro, que fosse competitivo no campo, mas que levasse alegria pro torcedor. Pro atleta poder ter liberdade de driblar, de jogar bonito, a gente acredita que o clube tem que oferecer um ambiente estável, criativo e confiante pra toda equipe, ter uma gestão profissional, sem política, com processos, com continuidade no trabalho de cada profissional. Queremos ser um lugar incrível pra se trabalhar. Mas tem mais, o futebol é uma ferramenta poderosíssima de transformação social. A gente viu isso naquele Laguna lá do começo, o projeto na periferia de Paulínia. E sabemos que o impacto pode ser muito maior no futebol profissional, com mais recursos.
Tudo que acontece no futebol tem um impacto enorme, positivo ou negativo, porque tudo acontece em larga escala nesse esporte. A nossa preocupação desde o começo foi pensar em cada detalhe do clube, porque sabemos que o que plantarmos agora vai atingir grandes proporções no futuro.
O nosso projeto – ambicioso, porém realista – é chegar na série do campeonato brasileiro em até dez anos. Nesse caminho vamos aumentar o número de funcionários, o número de seguidores, torcedores, pessoas que influenciaremos, empregos, produtos consumidos, resíduos gerados.
Por isso, entendemos que cada detalhe tem que ser pensado com muita responsabilidade.
Impacto positivo
Como um jovem atleta passa a principal fase de desenvolvimento ético e moral da vida dele dentro de um clube, queremos ser o clube que vai oferecer as ferramentas pra que ele seja o melhor ser humano que ele possa ser. Que ele possa se desenvolver com confiança, que ele aprenda a ter respeito pelo próximo e pelo planeta em que ele vive, que ele saiba como cuidar do próximo e do planeta, e que ele tenha educação e valores morais pra suceder como pessoa e profissional, e esteja preparado para qualquer carreira que ele escolher, seja no futebol ou não.
E se esse jovem for a próxima grande estrela do futebol mundial, um influenciador de milhões, que ele seja uma influência positiva e responsável. O futebol tem esse poder. Cada escolha que fazemos individualmente no nosso dia a dia aumenta um pouco menos ou um pouco mais o nosso impacto no meio ambiente. Estamos constantemente degradando o nosso planeta – aos poucos ou rápido demais. Então quando fazemos escolhas para um coletivo, uma empresa, um clube de futebol, temos nada menos que o dever de ser o mais responsáveis e conscientes que pudermos, e sempre que possível, ativos na mitigação do nosso impacto negativo. Em cada etapa da construção do Laguna buscamos empresas e parceiros que estejam alinhados com os nossos valores, que tenham as mesmas preocupações ambientais que nós, que oferecem produtos e serviços que atendam nossas demandas de forma responsável, que nos ajudem a levar as melhores opções do coletivo para o individual.
Em Pipa, fizemos uma parceria com o projeto Pipa Limpa pra compostar todos os resíduos orgânicos que produzimos (e fazer isso dentro do próprio alojamento dos atletas, pra que possamos envolver todos os funcionários nessa tarefa), coletar os recicláveis, oferecer educação ambiental dentro do clube e participar dos mutirões de limpeza das praias.
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Unidos pelo propósito
Em parceria com a positiv.a, vamos utilizar produtos de limpeza biodegradáveis e eficientes, e oferecer aos atletas produtos de higiene pessoal saudáveis, naturais e veganos. O Clube Laguna é vegano (o primeiro do Brasil, segundo do mundo), assim como nós, sócios. No centro de treinamento são oferecidas seis refeições diárias a base de plantas para os atletas. Cardápio desenvolvido em parceria com a equipe de nutricionistas e chefes de cozinha da Sociedade Vegetariana Brasileira. Estamos trabalhando nas diretrizes pra buscarmos a certificação de Empresa B e sermos o primeiro clube de futebol do mundo com essa certificação.
O caminho é de aprendizado
O Laguna existe no papel há quase dois anos. Nos registros há cinco meses, e, efetivamente, em Pipa, atletas em campo, funcionários no clube, há pouco mais de um mês. Estreamos na segunda divisão do campeonato Potiguar em 28 de setembro de 2022. E assim como o caminho pra chegar na série A do brasileiro, ainda temos muito chão pela frente também pra conseguirmos alcançar cada um dos objetivos do nosso projeto.
Temos muito pra aprender e um espaço enorme pra evoluir. Mas nesse pouco mais de um mês de existência do clube, nossos atletas e funcionários já nos mostraram que estamos no caminho certo. Que estão felizes em fazer parte desse projeto, abertos a aprender com a gente e a espalhar as sementes.
Não queremos ser o único clube de futebol vegano, muito menos o único social e ambientalmente responsável. E de jeito nenhum queremos driblar sozinhos. Queremos que todos os times sejam conscientes, façam sua parte e encantem suas torcidas – com futebol bonito, estádio limpo e grama mais verde. Quando o Laguna e todos os times do Brasil encerrarem a temporada 2022, começa o mundial. A federação internacional, a FIFA, se comprometeu a fazer dessa edição da Copa do Mundo um evento carbono-neutro.
Em um evento do tamanho da Copa, que utiliza uma imensidão de recursos naturais e gera uma avalanche de resíduos, nada mais justo que equilibrar essa equação e neutralizar as emissões. Mas fica aqui uma nota pra que cada um de nós, torcedores, enquanto nos encantamos com o futebol do mais alto nível e o espetáculo que prometem as seleções, lembremos que também somos parte desse gigante incrível que é o futebol e façamos a nossa parte.
Torçamos de forma consciente e responsável, e cobremos do nossos clubes de coração e da nossa seleção que usem o futebol da melhor forma. Futebol é impacto. Que seja positivo. Bola pra cima.
Deia Nabinger, Sócia-fundadora Clube Laguna Diretora de Novos Negócios, Impacto e Sustentabilidade